No dia 24 de Fevereiro a revista TIME publicou um artigo intitulado "Feminism Claims to Represent All Women. So Why Does It Ignore So Many of Them?" [O Feminismo afirma representar todas as mulheres. Então, por que ignora tantas delas?] da autoria de Mikki Kendall. Em linhas gerais, o argumento da autora parte das constatação das condições de insegurança material que caracterizam a vida das mulheres pobres, inclusive e especialmente das mães solteiras, apelando a uma mudança mais ampla do acção política feminista que inclua as necessidades mais básicas das mulheres. Isto é, numa preocupação que vá além das meras inquietações da feminista rica e insatisfeita com a sua progressão na carreira. Significa isso, no entendimento da autora e activista, atender às adversidades que atacam desproporcionalmente a mulher, em termos de rendimento disponível, acesso a serviços, trabalho, habitação, etc.
Por um lado, não sei se involuntariamente, a autora tem o mérito de identificar um aspecto indesmentível da ideologia feminista: que esta é uma ideologia nascida entre, constituída por, e servindo as vidas e interesses de burguesa. E, naturalmente, reflectindo uma interpretação da realidade social diferente daquela que existe entre os hábitos, necessidades, preferências, carências e quadro de valores do grosso da sociedade. Assim, ainda que por diferentes meios, aquela interpretação elitista tenha conseguido vingar entretanto entre as várias camadas da sociedade, as suas características fulcrais continuam a manter uma desadequação funcional e de essência quando transpostas para a realidade das mulheres comuns, dos casais comuns, das famílias comuns. O feminismo esbarra no seu próprio irrealismo quando extravasa as paredes confortáveis do narcisismo burguês. Aliás, como costumo dizer, por trás de uma grande activista feminista, existem sempre várias mulheres não-feministas a velar pela normalidade das coisas.
Diz então a autora, Mikki Kendall: "Com muita frequência, as poucas mulheres que chegam ao topo da estrutura patriarcal usaram o feminismo para chegar até onde queriam ir, mas não parecem ainda conscientes de que a força política associada ao feminismo pode ser usada para mais questões do que aquelas que importam para si mesmas. Eles escolheram sentar-se à mesa em vez de tentar construir novas mesas. O feminismo tem que servir os interesses de todos aqueles em quem se apoia para sustentá-lo, ou corre o risco de se tornar um movimento sem propósito para a maioria, e uma arma directa contra aqueles que afirma representar."
Por outro lado, o texto evidencia aquele vício moderno de conceber as instituições sociais, económicas, políticas e culturais como estruturas de opressão que viciam o jogo em desfavor de determinados grupos - neste caso, das mulheres. Devido a esta concepção que tanto se tem propagado, as relações sociais ficam cativas em lógicas de conflito e rivalidade, e a política, por sua vez, fica reduzida a estratégias de vitimização e de compensação individuais ou identitárias. Reclama-se segurança material para a mulher, entende-se a mulher isolada do seu ambiente social, familiar e laboral. Não existe um mínimo esforço por compreender padrões de escolhas, nomeadamente das mulheres de compreender onde entra o elemento de responsabilização. Interessa só apresentá-las como prova de desigualdade persistente, como prova de um ciclo vicioso de opressão, mas nunca como vítimas das condições geradas pelo feminismo e pelas normas sociais em vigor.
Não existe a preocupação por favorecer condições favoráveis às relações mútuas, ao estreitamento de compromissos duradouros e à evolução tranquila das instituições sociais. Em vez disso, existe uma militância que isola indivíduos na sua depauperação particular e existe a esperança vã de que os serviços estatais são a salvaguarda e o refúgio mais apto, mais desejável, mais confiável. Ser atraído pelas fantasias feministas resulta a longo prazo na perpétua fuga à miséria e, nas condições actuais, na multiplicação de reivindicações de apoio estatal (quando este é um solo que já deu sinais de esgotamento há muito). A autora falha sobretudo em manter a fé num novo mundo em que o design político conseguirá livrar os indivíduos de todas as inseguranças e frustrações que aqui foram geradas. E como foram elas geradas afinal? Ora, repudiando o conhecimento prático, descartando os costumes e a tradição, hostilizando a natureza interdependente da sociedade e os seus respectivos benefícios visíveis e invisíveis.